Não ser é bem mais fácil, não existir é mais cômodo, num mundo onde passamos grande parte do tempo simulando e dissimulando personagens, sim, se eu não fosse eu tudo seria mais simples, poderia eu simplesmente abdicar de meu personagem e de sua dor e ser outro ser, claro, se isso fosse possível.
Dei de cara hoje com meu rosto no espelho do banheiro claro, me deparei com uma das que sou, ou que outrora fui de cabelos castanhos, olhos pequenos, profundos, me deparei com uma mulher, uma mulher carregada de luxúria, sim, porque depois que o vi, e falarei dele depois, depois que o vi a luxuria me veio à tona, me fez palpitar e sentir a luxuria em cada poro do meu corpo e percebi assustada, que tinha acabado de cometer um assassinato! Ou quem sabe suicídio...
Pois, matei-a, sem outra palavra pra dizer, matei aquela moça, aquela inocência de moça que guardara outrora, naquele momento ela evaporou junto com o suor entre meus seios, eu engoli também uma parte sua na saliva fina que senti na boca. E veio a culpa. De quem era a culpa?
Minha que matei aquela que me habitava até o momento? Ou dele? Daquele homem sentado a minha frente e que me olhava enquanto eu dormia recostada na cadeira do ônibus. Acordei com os cabelos espalhados no meu rosto, as mãos segurando “a mão e a luva”, romance que eu estava lendo antes de pegar no sono, eu acordei, e vi, ele me olhava, imóvel, e apreciou cada movimento meu quando abri os olhos e olhei para ele.
Ele estava tão dentro de mim por me olhar que quase pude sentir a pele dele na minha, foi estranho, foi diferente, foi invasivo; como se pelos olhos ele tivesse entrado em mim e soubesse tudo quanto eu pensava naquele instante. O que era mais inquietante era o fato de que mesmo sendo uma estranha sensação, eu gostei.
Gostei tanto que ali senti a luxuria se manifestar pelos meus dentes, aberto, num sorriso para aquele desconhecido. Quem sabe se tivéssemos trocado alguma palavra tudo teria se esvaído naturalmente, mas não, tudo que fizemos foi nos olharmos e nos avaliarmos, como se tivéssemos comprando um ao outro, nós queríamos tudo àquela hora, sem dizer uma só palavra nós sabíamos disso, eu podia senti-lo excitado e quente, perto, longe.
Mas foi ele, ele me levou e eu matei aquela moça dentro de mim, cometi não um suicídio, mas um assassinato de mim mesma, não integralmente, mas matei por um instante a doçura, barganhei com aquele desconhecido de olhos negros e profundos, troquei a minha doçura de menina pela luxúria, pecado capital, e o fiz, fiz porque eu quis, eu tinha que me matar para nascer ali nos olhos dele.
Eu tinha que ser, e fui. Não simulei alguém que não sou; eu fui eu, e ele soube disso todo o tempo, tanto que me fez matar-me para eu reviver, porque não ser é mais fácil, menos doloroso, porém, ser é muito mais intenso, é vivo.
(História fictícia)
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